Tendências Automotivas

A Evolução dos Carros Populares no Brasil: Mudanças e Tendências

O que aconteceu com os carros populares no Brasil?

A década de 1990 trouxe muitos eventos marcantes, entre eles a hiperinflação, que atingiu um acumulado de 1.476,56% em 1990, e a introdução dos carros populares no setor automotivo brasileiro.

Em 27 de junho do mesmo ano em que a inflação chegou aos quatro dígitos, foi publicado o decreto 99.439, que reduziu para 20% o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para carros com motor de até 1.000 cm³. Isso beneficiou modelos como o Uno Mille, considerado o primeiro carro popular do Brasil.

Embora a legislação tenha sido modificada por governos subsequentes e encerrada em 1995 durante o mandato de Fernando Henrique Cardoso, ela deixou uma lembrança duradoura de veículos mais acessíveis à população brasileira.

Segundo a Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores (Fenabrave), entre os carros de entrada – termo preferido pelas montadoras em vez de “popular” – o Fiat Mobi, com preço de R$ 72.990, e o Renault Kwid, custando cerca de R$ 73.640, lideram as vendas, com participações de 52,25% e 47,65%, respectivamente, nesse segmento.

No entanto, apesar de ainda dominarem uma boa parte do mercado, as montadoras estão reduzindo a oferta de carros de entrada, e os consumidores têm reclamado dos preços elevados dos modelos disponíveis.

O que está acontecendo com um setor que já recebeu tantos incentivos governamentais?

Consumidor mais exigente

Em 2024, dados da Bright Consulting mostram que as vendas no setor automotivo estão em alta contínua, com 206.780 unidades vendidas apenas em abril, um aumento de 37% em relação ao início do ano.

No entanto, as vendas ainda não retornaram aos níveis anteriores à pandemia de Covid-19, que começou em 2020 e trouxe consigo a escassez de semicondutores, peças e equipamentos, além de alta dos juros e inflação, afetando a demanda por novos automóveis no Brasil.

André Ganselli, cientista de dados da Bright Consulting, destaca que a pandemia causou diversas mudanças no setor automotivo, incluindo uma alteração no comportamento das novas gerações, que agora preferem alternativas como aluguel de carros ou serviços como Uber, e problemas na cadeia de suprimentos.

Ele menciona que a escassez de semicondutores resultou em menor produção e queda nas vendas, enquanto os consumidores mais ricos continuaram comprando veículos, aumentando o preço médio dos carros.

Sant Clair de Castro Jr., consultor automotivo e CEO da Mobiauto, observa que, após a pandemia, houve um aumento na oferta de carros, especialmente com a chegada de veículos chineses a preços mais competitivos, oferecendo novas opções para os consumidores.

Especialistas apontam que o perfil do consumidor brasileiro mudou, tornando-se mais exigente e disposto a esperar por veículos que atendam suas expectativas em termos de tecnologia e conforto, o que também encarece os carros.

André afirma que os consumidores estão optando por não comprar carros mais básicos, sem muita tecnologia. “Infelizmente, o poder de compra não é tão alto, então o consumidor demanda mais dessas tecnologias. Eu não diria que ele parou de comprar, mas ele se tornou um consumidor mais exigente”, explica.

O que aconteceu com os carros populares?

No ano passado, o governo federal lançou um programa de descontos para a compra de carros zero quilômetro, disponibilizando R$ 500 milhões às montadoras e oferecendo descontos nos veículos.

A Fiat, do grupo Stellantis, foi a montadora que mais solicitou recursos na época, com R$ 190 milhões em créditos tributários. Outras empresas como Honda, Hyundai e Peugeot Citroën também requisitaram recursos.

Após o término do programa, que durou pouco mais de um mês, Geraldo Alckmin, vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços, considerou a iniciativa um sucesso.

“O presidente Lula demonstrou muita sensibilidade social em relação ao emprego e à importância da indústria neste momento. Temos uma ociosidade de quase 50%, o que poderia levar à perda de empregos”, afirmou durante uma coletiva da Anfavea (Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores).

Enquanto isso, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou que não há novos recursos disponíveis para o programa, mencionando a necessidade de compensação e a falta de espaço fiscal.

Sant Clair de Castro Jr. pontua que a redução de impostos é uma medida mais eficiente do que a criação de demanda artificial por meio de subsídios, que gera uma procura maior momentânea, mas leva à falta no futuro.

“No passado, as medidas de incentivo eram mais eficazes porque os veículos não tinham todas as tecnologias exigidas atualmente. Benefícios temporários geram desconfiança devido ao retorno dos preços antigos”, explica. Ele sugere que investimentos no setor automotivo devem ser pensados a longo prazo, com metas consistentes, investindo na infraestrutura do país e na cadeia produtiva.

Aumento na procura por carros de luxo e impulsionamento dos elétricos

Enquanto os carros populares lutam para reconquistar os consumidores, a Bright Consulting aponta que o setor de veículos de luxo teve um aumento de 21,37% nas vendas entre 2022 e 2023, com 14.904 unidades vendidas até abril deste ano.

Sant Clair destaca que o segmento de luxo cresceu significativamente, com a classe mais rica do país não sentindo tanto o achatamento do poder de compra que afeta as classes médias.

André Ganselli reforça que a demanda por veículos de luxo é impulsionada principalmente por executivos e consumidores mais ricos, e que os veículos eletrificados estão ganhando espaço nesse setor.

Junio William, sócio da AlugaAí, uma locadora de automóveis focada em veículos executivos e esportivos de luxo, afirma que esses carros são procurados por empresários e empreendedores de 35 a 50 anos, e que a busca aumentou recentemente.

“O mercado de locação ou assinatura de veículos vem crescendo ano a ano, e nos últimos dois anos, a procura por veículos de luxo também aumentou. Acredito que isso se deve à facilidade e ao alto custo de manutenção desses veículos quando se é proprietário”, diz William, destacando também o aumento na procura por híbridos e elétricos nos últimos seis meses.

Recentemente, o governo brasileiro lançou o Programa Nacional de Mobilidade Verde (Mover), prevendo R$ 19,3 bilhões em créditos financeiros entre 2024 e 2028 para montadoras que busquem incentivos, exigindo investimentos em energia verde e redução de emissões de carbono, impulsionando ainda mais a eletrificação do setor.